sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Assinado, Aiko.

Rio de Janeiro, 20/10/2007.

Minha amada Kanã,

No mar fui me encontrar com a beleza de seus olhos, que nele refletem. Quem sabe mãe d'água não me devolve o sabor de seus lábios hora azedo, hora melado?
Quis sim, me entregar ao mar, donde sereia que és tu, nunca deveras ter saído. Mas saiu. E me encantou com seu canto silencioso. Agora me esvaio no mar em busca de sentir o cheiro das águas, matar minha sede em sua salina, me encontrar com sua soberania, poder afagar-me em sua eterna e dadivosa perfeição. Encantadora medusa que me envolveu em seus longos braços desnorteantes, ainda sinto seu calor atordoador, queimando, aquecendo os poros de minha pele. Fui buscar-te, medusa, no fundo daquela tela cristalina azulada, esverdeada e só hei de voltar quando reencontrar seu encanto divino.
Quanto a tua realeza carnal em terra? Não há motivos a se roer de saudade, tão pouco para se abater em culpa. Não chores linda menina-mulher que sem querer, sem saber foi colombina de meu amor pierrô. Foi colombina desse maldito pierrô em silêncio que fui. Não chores por culpa, menina inocente. Saiba minha linda Deusa em preto e branco, que este ser miserável em carne há de sorrir em alma agora. Saiba que se esta loucura de querer fazer do manto azul, o leito derradeiro de minha presença carnal, vier lhe atormentar, jogue flores ao mar. Recolherei-as maravilhada com cada pétala. Jogue cartas ao mar. Se eu não as ler mãe d'água há de cantarolá-las para mim.
Vou-me assim, meu retrato de Cleópatra, vou libertar minha alma para caminhar do inferno ao paraíso para enfim crer em Dante Alighieri, para enfim dormir sob o imenso manto de água que cobre os oceanos e por fim descansar de toda esse pouca e jovem vida sofrida. Dormirei e me aconchegarei eternamente em sua memória e me entorpecerei de sua beldade em meu sonho eterno, onde te tenho minha flor de lis, meu botão de rosa.
Estas meras palavras, direcionei a te acalmar e te fazer sorrir. Pequeno decreto que expressa o quanto exalo felicidade ao poder me equilibrar entre os cosmos no infinito azulado que cobre a todos nós. Vou brilhar entre as estrelas enquanto pulo pequenos barrancos nesses pequenos corpos celestiais antigos e brilhosos, e vou viajar à cometa, conhecer outros planetas. Lá eu hei de ser feliz.
E se escorre alguma lágrima em sua face, seque-as, pequena. Não te entristeças por mim. Não estou triste, Não vê? Estou radiante em felicidade. Então sorria comigo amazona guerreira quase minha. Divida comigo esse último sorriso. E quando enfim tiver lido esta, não me julgue suicida. Por favor não me compare a tão baixo calão. Suicidas não querem existir. Não gozam de nada e apenas se matam. Se livram de viver. Não me suicidei. Amei a vida, gozei dela a cada suspiro que me causou, meu doce anjo alado. Mas fui luxuriosa e quis conferir em alma o que em carne não se pode ver, sentir ou ter.
Assim finalizo a minha declaração em desculpas, desabafo e explicações. Pouco sei se esta estará em suas mãos ao amanhecer, monalisa de minha parede eterna, mas espero que receba esta, de algum mensageiro caridoso.
Aos companheiros de uma vida, minha breve saudade, carinhos e adeus. Aos meus laços sanguíneos, me perdoem.
Mas digo e grito para quem quiser ouvir, atei meus olhos em mar por amor, ternura, prazer, por feroz paixão que me consumiu em razão desse meu último suspiro que foi a última dose de Kanã. Entre essas doses, me embebedei, me entorpeci entre o sabor confuso daqueles beijos. Consumi cada gotícula de prazer que ousou tocar meus lábios.
Assino aqui, com meu coração devotamente apaixonado pela vida que só descobri e entendi quase e unicamente depois de encontrar Kanã. Te amei, Kanã. Lhe desejei, lhe tive, lhe perdi. Mas te amei, como continuo e sempre te amarei. De tanto amor, minha bela, morri de amor.
Sentirei eternas saudades dessa sua pele, que já ardem em mim.

Assinado, Aiko.

- Trecho do livro 'Entre doses de kanã'

Por Psy O.L

Um comentário:

  1. "Mas fui luxuriosa e quis conferir em alma o que em carne não se pode ver, sentir ou ter."
    Mandou bem.

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